21 de maio de 2006

O romântico

Saiu de casa por volta de dez da manhã, pediu um café na padaria e tomou o ônibus para se encontrar com Silvana. Tinha pensado nela durante toda a manhã, provavelmente sonhara com ela, pois aquela lembrança insistente não era normal. Tinha de resolver o que falaria a ela. Encontraram-se no parque da cidade.
— Você está com um olhar bonito, meu amor!
— Obrigada.
Deram-se as mãos. Ele não gostava de andar de mãos dadas, mas nunca falara isso a ela.
— Suas mãos são tão macias.
— Obrigada.
Falaram amenidades. Ele evitava tocar em qualquer assunto a partir do qual ela pudesse dizer:
— A propósito, você já se resolveu com ela?
Não adiantou desviar do assunto, as mulheres sempre acham maneira de falar do que querem.
— Não, meu bem. Podíamos falar disso outra hora?
— Quero falar agora. Você conversou com ela?
— Vou conversar.
— Vocês estão juntos ainda?
Ela já ficara irritada. As mulheres têm a capacidade de ficar irritadas instantaneamente sob qualquer pretexto.
— Não, meu amor. Não estamos. Só voltei em casa para falar com ela.
— Mas você não disse que não tinha falado?!
— Não consegui achar as palavras.
— Vocês homens nunca encontram as palavras.
— Não é bem assim, meu anjo.
— E quando encontram, usam errado!
— Não se irrite, meu amor.
— Não estou irritada. Por que você não deu o fora nela ainda?
Ele ficou calado. Calava-se sempre que julgava já ter dado a resposta ao que foi perguntado. Mas as mulheres são incapazes de compreender isso.
— Hein? Por quê? — insistiu ela.
— Meu anjo, vou falar com ela hoje. Não. Amanhã, que hoje tenho umas coisas pra resolver.
— Que coisas?
— Do trabalho.
Ela bufou.
— Meu anjo, minha princesa, se acalma. Eu falo com ela amanhã e tudo estará terminado.
Ela amoleceu.
— Jura?
— Juro, meu amor. Você sabe que eu te amo mais que tudo.
Ela falou docinho, com bico:
— Mentira.
Ele a abraçou e beijou seus olhos.
— Amo sim, sua boba.
Ela, dengosa.
— Mesmo?
Após almoçarem, ele despediu-se e tomou o ônibus para o trabalho. Desceu um ponto antes e ligou para Júlia.
— Estou aqui embaixo, posso subir?
— O Pedro está na casa de uns amiguinhos.
— Quero ver você.
Entrou, sentou-se diante de Júlia e pegou suas mãos com delicadeza.
— Suas mãos são tão macias.
— Eu ouvi isso sete anos…
— Você está com um olhar bonito.
— Tá certo, Ricardo. O que você quer?
— Ver você.
Ela circunspecta. Ele continuou:
— Você sabe que eu ainda te amo.
— E a Lígia?
— A separação já está certa. Estou saindo de casa hoje à noite. Hoje não. Amanhã, que hoje eu tenho muitas coisas pra fazer.
— Que coisas?
— Do trabalho.
Júlia tentou tirar suas mãos dentre as de Ricardo. Ele as segurou, abaixou a cabeça e beijou seus dedos.
— As mãos mais cheirosas do mundo.
Ela, meio dengosa:
— É mentira.
Conversam, tocam-se, beijam-se.
— O Pedro sente sua falta, amor.
— Eu sei. Eu sinto falta de vocês. Quando estiver separado virei mais vezes.
Ela tomou uma expressão fechada.
— Sorria, meu bem. Você sabe que eu te amo mais que tudo.
Ela, chorosa:
— Jura?
Ricardo saiu da casa de Júlia ao fim da tarde. Passou no trabalho, deixou uns papéis, pegou outros.
— Tem alguma coisa pra mim?
— Não, senhor.
Foi pra casa. Tomou banho, comeu um sanduíche, escovou-se, perfumou-se. Pegaria Lígia no trabalho e jantariam.
Ela o esperava já com alguma impaciência.
— Desculpe, amor. Tive que resolver umas coisas.
Ela, brava:
— Que coisas?
— Do trabalho. Você brava fica com um olhar lindo.
Caminharam de mãos dadas até o restaurante. Após fazerem o pedido, ela perguntou:
— E então?
Ela sempre era vaga. Ele odiava isso, mas fingia achar graça.
— Então o que, meu bem?
— Já fez o que devia?
— Quê? ele sorria, tranquilo.
— Você sabe do que estou falando, cara.
— Vamos falar de outra coisa, meu bem. Você viu que absurdo aquela notícia…
— Ricardo Mendes!
Ele parou de sorrir. Baixou os olhos humildemente e pousou as mãos sobre as de Lígia.
— Ainda não falei. Vou falar amanhã. O Pedro não pode estar presente.
— Você disse que falaria hoje.
— Hoje eu me enrolei no trabalho.
— Quando é que você vai visitar o Pedro?
— Na sexta. Mas eu falo com ela antes disso.
Ela bufou:
— Se vocês ainda estiverem se vendo eu mato ela.
— Se acalma, meu anjo. Só vejo ela pra visitar o Pedro, ela já parou de pedir pra eu voltar pra casa.
— Sua casa é comigo.
— Eu sei, meu bem.
— Fala com ela logo. Ela tem que entender que a sua casa é comigo, ela já era.
Ele beijou seus dedos.
— As mãos mais cheirosas do mundo!
Ela bufou outra vez. Ele, carinhoso:
— Meu bem, para com isso, você sabe que eu te amo.
— Mentira.
— Amo.
Tocam-se, beijam-se. Ela, dengosa:
— Ama mesmo?
— Mais que tudo, meu anjo.
Luis

6 comentários:

Anônimo disse...

homens... >/

Anônimo disse...

Ok,não parece coisa sua,mas parece coisa de homem,mesmo.

Luis disse...

o que vc quis dizer com isso? tá me estranhando?

Paola Sabino disse...

Tavares e seus contos... hehehe
Calma, talvez haja um homem que realmente não seja assim!

Anônimo disse...

Que bom ler vc, Luis! Lembro de ler um conto seu, durante uma aula na UnB há muitos anos atrás. Legal, reencontrar vc nos seus blogs. :)
Bjs
Angela

Luis disse...

Angela!
Que prazer você por aqui!
Como estão as coisas?

Beijos!