11 de dezembro de 2006

A Biblioteca

A sala está escura. Há estantes ao longo do cômodo, enfileiradas, lado a lado, transversalmente, em diagonal, labirinticamente. Todas repletas de livros. As janelas não se veem, só as negras cortinas. Não se ouve som algum. Apenas, a intervalos regulares de um minuto, o leve ruído de uma página sendo virada. Num canto da biblioteca, um círculo de luz, grande e pequeno o suficiente para iluminar um livro e as mãos de quem o lê. Na penumbra, um homem, não se sabe se velho ou novo, se belo ou feio, apenas os óculos se lhe veem. E a barba, talvez grisalha. O livro é antigo, a encadernação antiga puída, as folhas grossas amareladas. Uma das mãos sustenta o livro, a outra some na escuridão e reaparece a intervalos regulares de um minuto. A pele das mãos, a grossura dos dedos, a grossura escura das unhas sugerem, como os dentes de um cavalo, a idade do homem. Sim, agora se lhe veem as cãs. Agora, que os olhos se ajustaram à penumbra, percebe-se o rosto serenamente senil, a calva, a brancura espessa da barba. Os olhos percorrem as linhas e os parágrafos velozmente, cadenciados, concentrados, não se distraem. As letras refletem-se embaciadas no brilho úmido dos olhos. Os olhos percorrem páginas e mais páginas. Devoram, absorvem, perscrutam. Incansáveis. Intensos. Mas não violentos. Os olhos do homem parecem tocar o livro. Nota-se, quase, o trecho em que os olhos se encontram, o reflexo da luz nessas letras torna-se mais fremente. A página vira-se antes que a mão vinda do breu a toque. Os dedos dessa mão apenas se pousam sobre o livro aberto, farejando a nova página. A mão volta ao seu esconderijo, descansa no braço da poltrona. A poltrona é antiga, pesada. Atrás dela, e ao lado, e à frente, há estantes repletas de livros, ordenados misteriosamente. São estantes altas, compridas. A sala é grande. O círculo de luz, ao canto, não ilumina os corredores entre as estantes, mas se veem as lombadas dos livros, milhares de livros. A luz é quase nada. Não se vê mais o velho sentado, só o ponto de luz, no canto da biblioteca imensa, labiríntica, agora, daqui, absolutamente escura.
Luis

5 comentários:

Um a um.... disse...

Ei, Luis, eu conheço esse texto!!
Das antigas!!
abraço e boas festas!

Luis disse...

droga, tem sempre um pra delatar...
valeu, gustavo. pelo menos sua memória está boa.
abs.

Unknown disse...

Ei Lula, é muito lindo o que você escreveu. Fiquei emocionada com a descrição detalhada do velho e o livro. Muito especial. É de quando?

Luis disse...

escrevi pra dar uma aula sobre descrição. acabou ficando bom, ne?

Ciro disse...

Me lembrou o filme "O Ano passado em Marienbad", que vai repetindo ciclicamente a descrição de um palácio, de maneira labiríntica e barroca, tornando o exercício da descrição a sua própria exegese. Bom texto, Luís!